domingo, 12 de agosto de 2012
OFÍCIO FEMININO
Eu, que sempre me ocupei de vestir
as coisas do mundo, com as palavras,
me pego confusa se me perguntam:
e, então, o que faz você?
Respostas compridas,
sempre inconclusas.
Não é escritora, mãe ou esposa.
Nem dona de casa, herdeira de impérios.
Nada disso é...
Olhando pra trás penso que vejo,
a menina tão séria vestindo bonecas.
Com nomes, sempre nomes primeiro.
Mais tarde a jovem, no espanto do frio anatômico.
Mãos vazias de palavras, pra vestir tantas mulheres.
Essas sim, pareciam bonecas.
Nenhum nome possível pra elas.
Só formol, bisturi,
ovário, útero, pelve.
E então o fracasso, em forma de náusea.
Enjôo sem nome.
Nudez inominável também!
Precisei, então, vestir tudo que via:
filhos pequenos, todos os mortos da família...
Estranho ofício, ainda sem nome!
Só hoje entendi o que faço.
De tudo o que vivo,
costuro um conto,
bordo um poema.
Já não deixo mais as coisas perambulando,
expiando suas penas,
nuas e selvagens por aí.
Pois se o verbo no princípio se fez carne,
no fim a carne precisa se vestir outra vez.
De palavras...
E eu,
uma costureira, talvez.
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