sexta-feira, 18 de março de 2011

Ventanias


O sopro da ventania e seu canto sibilante,
Qual serpente e suas encantarias,
Faz parar o tempo e o vento
Na suspensa areia que tudo revolve,
Deserto em calmaria.

Criaremos tu e eu, em sonhos despertos,
Esculturas de areia no deserto incerto,
Tu és a mão e sopro
Eu, o vento,
E os nossos filhos, canto e poesia.

POEMA FEIO



não vai ser bonito, não
não vai, o poema e os
cacos, estilhaços, espelho
de alice, não,
só foi você quem disse


quem feriu fui eu, fui
não foi a adaga,
o punhal e a noite fria,
era eu, era
tudo eu
o que doeu


o azul, o céu, o escuro
escureceu, quando
refletida e invertida,
fragmento, pedaço, tudo
de horrível e cortante e vil
o aço da palavra, enfurecida,
que fez ferida
era meu
todo meu


o poema, bom e bonito, mais
as palavras, claras e brilhantes, de
fonte límpida, água, diamante, tudo
tudo, tudo
se perdeu


morte, forca, ao
maldito eu
cada-falso, desse
laço, que sem
desembaraço, me desfaço e me
refaço, torpe e vil,
por um ardil, num poema

poema feio, feito tudo
que se viu, que
se serviu e que feriu,
tudo que mentiu,
por um poema, assassinado
assinado

EU.

quinta-feira, 17 de março de 2011

De vocações e chamamentos

Tenho vocação para preces, orações,
contemplações,
recolhimentos.

Quando fiz 5 anos,
disse a meus pais:
"Eu quero é ser freira."

Êxtases místicos já me consumiam,
nas Ave Marias, ao pé da cama da vó,
nas experiências de comunhão
com o absoluto, o incomensurável
com o silêncio, o indizível.

O meu pai ateu, horrorizado,
fez o sinal da Cruz,
3 vezes.

A Minha Mãe, em desconsolo,
jurou me abandonar,
com o padre.

Eu, que sonhava com as freiras, enclausurados do convento,
estremeci
e declinei.

Assediada por fulguracões do Espírito,
tentada a me entregar para ELE....

Oxalá conheci a música
e me entregeuei a escritura.

Só assim sobrevivi.

Em comunhão com o meu espaço e tempo,
contemplei, como fazia em pequena,
a escultura sonora do silêncio,
sua reverberação na minha carne.

Extasiada de transbordamento,
emprestei palavras, cantos e sons
ao inefável, ao indizível.

Hoje compreendo essa vocação,
esse chamamento,
não todo
desvelado.

Nasci para a aventura do pensamento
e, quiçá, das escrituras.
Essa arte do pensamento do SER,
que crie mundos ainda prenhes de
EXistir.

Palavra falada, escritura no espaço,
a esculpir com sonoridades
a carnalidade do verbo
que não encontrava TEMPO
na branca e bidimensional
folha de papel.

Que os bons ventos me tragam
o TEMPO preciso
e impreciso,
pra gestar e parir
a profusão de rebentos
que agora pedem passagem
lugar e nome e certidão de nascimento.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Poeminha pra ninar gente grande


Colchão de montanhas,
edredons nebulosos,
berço de sonhos.

Pra que minha criança,
embalada em poesia,
ainda possa,
muito mais que viver,
amanheser.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Jardim do Éden



Quando acordei e a manhã era sôfrega ainda,
aves em galhardia, com seus gritos cortantes,
gralhando a névoa num céu que os sentidos me entorpecia ,
e irrompendo o véu de uma madrugada tardia,
que de tão lânguida, eu, desfalecia.

Sem forças pra me agarrar a manhã,
que sua mão silente me estendeu,
qual um anjo caído e lançado com mãos de um Deus,
meu corpo quedou e permaneceu.

Num tal jardim do Éden, eu, entre cobras, cipós e serpentes,
me emaranhava em seus apelos e pelos, outrora amantes,
os pássaros com seus cantos suplicantes,
invocatórios, declamatórios de cânticos, sibilantes,
provocando meu corpo, como nunca antes,
a se emaranhar na selva errante.

Que se faça o silêncio,
pois só a mulher escuta
o canto
de um pássaro ferido.