sábado, 24 de agosto de 2013

MAGIA NEGRA




Meu deserto é frio e negro,
Alturas polares!
Das paisagens de gelo,
fogo dos céus me dilacera
com labaredas delirantes,
sub-lunares,
em múltiplos cortes
de palavras-carnes.

Hilda Hilst encarnada,
exilada em círculos de luz
e cores singulares,
em pura derrelição,
Madonna de Münch,
em sacrifício estão
em seus ancestrais altares.

Aurora dos deuses
Aurora negra
Aurora borealis.


Karen B.



ORIENTAL





Envergonhado e avermelhado, lá vai ele.
Cruzando a ponte e a mente.
Ardente.

Sol po(e)nte.


~Karen B.



ANDALUZIA















Só me lembro de nós dois, sentados num ermo da escada e das flores que caíram bem no meio do nosso primeiro beijo. Sorrimos. Uma graça de um alaranjado juvenil que coloriu tudo à nossa volta.

~Karen B.



CISNE NEGRO





Há que se esquecer um pouco o enfeite luxuoso da vida, suas cores. Somente em preto e branco se vêem as luzes e sombras que travam uma batalha pelo meu espirito.


~Karen B.



FLORAÇÃO





Quando conheceu a doçura do encontro, seu sexo simplesmente floriu... Médico algum da cidade jamais soubera explicar o fato. As crianças achavam graça da história e eram as únicas que ainda falavam com a prima Vera. O resto da família evitava o assunto. Um escândalo!, diziam. Todos ansiavam secretamente pelo outono, pra catarem as relíquias secas e terem do que falsamente se lamentar. Mas Vera teimava em florescer cada dia mais e mais. Dizem que no dia de sua morte era ela sua própria corbelia. O aroma entorpeceu e inebriou a todos naquela noite do velório. Histórias a meia boca ainda sao sussurradas sobre aquela longa madrugada. Nunca puderam se esquecer daquele seu cheiro de flor.

~Karen B.



PULAR O MURO, COMO A GENTE FAZIA!




vivendo nas fobópoles, murados no medo. os não-lugares dos shoppings, galerias, arenas. vazios desterritorializados, sem nenhuma cor local. padronizados, policiados, vigiados. fora do tempo e do espaço.

no vão da vida, no breu das horas. olho do furacão, boca da besta fera do mercado... 
mas ainda há saída: a porta, a rua e, então, a praça.
janelas, a que se abre pro vento ou a que te põe nas nuvens (www), não bastam! só acenam, um chamado.
olhar o mendigo, parar no boteco, falar com eles.
ousar o primeiro (e o mais difícil) passo: a calçada!
quem me olha assim, de passagem, nem sabe. já tive grandes amigos. o verdureiro paraíba. o sempre-ébrio mendigo flanelhinha. a faxineira-preta-retirante-retinta com a cara da fome no fundo do olho. 
quem me vê assim de passagem pela janela do carro não sabe, mas estaciono ele pela cidade e vou viver!


Em homenagem ao mestre Leminski. "Distraídos, venceremos!"


GEOMETRIA FEMININA




O quanto posso saltar sobre as linhas que desenham o tecido plissado do meu caminho? Meço minhas passadas. Ainda tenho passos largos... Até quando, depende dos caprichos desse costureiro outro que desconheço. Terá ele o mesmo apreço que tenho pela simetria?

~Karen B.


SEDE DE GENTES




blindado no aço do carro e no vão 

das gentes, 
meu coração suburbano se aperta e vaga
meio dor-mente. 

entre uma nuvem e outra,
que ainda me acenam
clementes, 
pelas esquinas que tecem no céu 
flano sem oriente, 
aqui nessa terra sem dono 
nem dó da gente.

árida barra onde plantei 
raízes,
mas seco sem viço pra dar mais 
se-mentes.

água da fonte aqui preciso 
e urgente. 
SOS de gente! 

gente, gente, gente, 
Ah...gente.

~Karen B.




domingo, 7 de abril de 2013

WWW.ESTUPROBOMBA.COM.BR







O estupro coletivo da turista suíça na Índia me parecia tão distante na semana que passou.
O estupro coletivo da turista americana na van da Cidade Maravilhosa não. Viola minha casa, meu computador, meu facebook . Remete partes do meu corpo de mulher pelo espaço das nuvens digitais. O caralivro me pergunta como estou e dessa vez eu digo a verdade: 
- Gosto menos desse mundo em que existem estupros coletivos.
Gosto menos dessa cidade que desconheço, onde mulheres sofrem estupros coletivos. Uma ação individual parece uma patologia menos repugnante que a coletiva. Deixo pra minhas filhas um mundo pior do que encontrei. Isso tudo me dá uma baita sensação de fracasso. Como mulher acho que deveria ter lutado mais. Espero que ainda dê tempo de fazer alguma coisa útil com esse amargor pela minha condição feminina no mundo.
Minhas amigas vêm logo em meu socorro tentando catar meus estilhaços lançados por todos os cantos da tela. 
-"Não sei se atos como esse, ou piores, nao foram até mais comuns quando éramos nós apenas meninas. A grande diferença está na divulgação, no acesso rápido e mundial aos fatos. Nós hoje, mulheres de todo o mundo, fizemos sim! Nos acotovelamos por mais espaço e igualdade. Deixamos para nossas filhas um mundo que sabe, que não tem mais como esconder. E façamos, façamos mais! Denúncia é ação!", diz a amiga otimista, que resgata minha cabeça que rolava no canto da timeline e me põe no prumo.
Logo em seguida, mais uma se desnuda em meu socorro e comenta:
-"Eu tenho pensado muito nisso, me sentindo minúscula e atordoada com um cotidiano que parece impossível. Tem algo bestialmente violento no ar. Não sei se é de hoje ou de sempre, mas tem pesado muito por agora. O pior é tolher os movimentos mais criativos de que se é capaz", diz a amiga artista que, ao me estender o braço, me faz sentir as mãos novamente.
E, por último, chega a amiga de infância :
-"Tão absurda essa violência, pois nos faz parecer seres pequenos e frágeis, quando não somos! Somos fortes para trabalhar, ocupar cargos importantes em empresas e no governo. Mas, ainda assim, sofremos com homens que acham que são seres superiores e tudo podem! Às vezes tenho tanta raiva que chego a desejar a morte para esses crápulas, mas sei que isso só atrapalha minha evolução. Nos resta protestar e cobrar justiça!"
Minha amiga de infância, minha melhor amiga. A que me devolve meu sexo, minha virgindade, em segundos, minha inocência perdida em eras pré virtuais. Depois de um silêncio de 50 anos, a filha do homem que me abusou menina rompe o mutismo, da forma que lhe foi possível. 
Uma bomba atômica explode no meu peito. Vejo um cogumelo gigante como a Rosa de Hiroshima brotar no céu da minha pequena nuvem digital. Quase digo pra ela se absolver desse desejo de sangue e reparação. Que ela deve se perdoar porque deseja a morte do pai. Que quem tem a adaga em punho muitas vezes só tem medo. Mas não digo. Já há demasiado sangue derramado numa simples tela de computador. 
E talvez a amiga otimista esteja certa, pois nós mulheres temos hoje a palavra e uma voz.
A van do estupro coletivo da turista americana é o nosso carro bomba da Al-kaheda. Só que agora ele não explode sem que ninguém saiba, mas em tempo real, na world wild web.


~Karen B.

CASAMENTO




....tira a roupa do varal que lá vem chuva! corre pra segurar as portas e janelas que batem. os cabelos em alvoroço. a face enrubesce. o rosto sorri. na janela, entretida, se detém molhando a face e enxugando o suor. a ventania. ainda é jovem pra amar, pensa inquieta. os lençóis ainda se divertem no quintal.

~Karen B.


CASTELOS DE AREIA






que este dia nos seja leve.
nas palavras. nos afetos. na esperança. 

~Karen B.



REFÚGIO




Estou aqui, dentro da manhã fresca, entre cipós e um emaranhado tecido de lembranças. No refúgio úmido, um jardim hiberna. Somente eu e essa maçã. Onde sempre te espero.

~Karen B.


VESTIDO BRANCO






Minha condição feminina e minhas tantas vestes de luto, por todos os cantos do mundo.
Mulheres, moças, meninas... Ainda nos roubam nossas vestes de inocência e pureza.
Ainda fazemos luto sim, mesmo que alguns não vejam. Pelas tantas assassinadas, pelas muitas estupradas, pelas incontáveis abusadas, amoladas, assediadas.
Ainda não é hora de usar o lindo vestido branco. Lá está ele, pendurado no sombrio armário da história, ainda manchado de sombras, a espera da luz daquela manhã. Manhã de lavar prantos e quarar desencantos.
A espera, ainda.

~Karen B.


OFUSCADA




Estar carente de imagens. Um certo cansaço no olhar. É preciso manter olhos fechados e a alma silenciosa. Meditar e observar as paisagens que de lá vem nos habitar.


~ Karen B.



CONEXÃO ILIMITADA

Isso! Sem sapatos, pra sentir melhor o calor do chão. Uma trança pra alegrar as mãos. Na mala somente aquilo que traga algum descanso. E um amigo. Que se abrace. Que acalente. Que traga no pelo o suor da minha mão. Ah... um amigo é o essencial do caminho. Que o vislumbre, do mesmo ponto em que parei pra admirar a estrada. ~Karen B.