quinta-feira, 3 de abril de 2008

Em Liberdade


O ensaísta e ficcionista Silviano Santiago, em recente mesa de debates na Festa Literária Internacional de Paraty (2007), destaca o caráter testemunhal do romance Em Liberdade, um diário ficcional onde narra as memórias inventadas do escritor Graciliano Ramos. Silviano fala da sua necessidade, enquanto leitor e intelectual, de dar forma ao caos de tantas leituras. Para isso, o recuo estratégico de Em Liberdade ao passado funciona como um recurso eficaz para ampliar a repercussão do seu testemunho da história recente do país. A ficção biográfica é usada como espaço privilegiado para romper talvez com a maior prisão do escritor, seja ele repórter, ensaísta, ficcionista ou biógrafo, que é o cárcere dos gêneros, já que, segundo conclui Silviano no debate, o mais importante para o escritor seria a liberdade, trazendo a luz nesta fala uma das significações do título do romance, Em liberdade quanto à forma, quanto aos gêneros, diário, ensaio, ficção_ documento, história e arte.
Wander Melo Miranda em Corpos Escritos, ressalta a importância da apreensão dos mecanismos da repressão sócio-política assim como a lucidez no trato com a linguagem que denunciam exatamente estes mecanismos. “Arte, vida e história conjugadas revelam então a outra cena encoberta pela retórica oficial e pelos mecanismos de dominação que mantém o escritor presos ao cárcere do eu”, que dificultam o encontro e diálogo solidário e necessário entre os intelectuais, negando a eles sua participação de agentes nas transformações culturais e políticas do seu tempo.
A autobiografia ficcional assume assim o caráter de memórias agora não mais da experiência da prisão, como nas Memórias do Cárcere, mas sim da liberdade e seus cerceamentos mais sutis, como analisa Flora SüsseKind em Literatura e Vida Literária. Eis o projeto do livro de Silviano: cotrariar a expectativa de um leitor sequioso pela tortura convertida em espetáculo, como em tantas biografias que sucederam os períodos de ditadura militar, nas décadas de 70 e 80. O autor rompe com o pacto autobiográfico, sugerindo que o memorialismo e a autobiografia não são o único refúgio do narrador, mas num inesperado ponto de interseção entre ensaio e ficção. Como conclui Wander Miranda é “esse investimento desalienante da leitura que delega ao leitor a função subversora de investigador da história e em história” revelando que o desejo de historicização da escrita transpõe os limites da produção e penetram na área da recepção.

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