segunda-feira, 29 de outubro de 2007

TROPA DE ELITE, TODOS NÓS



Nizia Vilaça em seu ensaio Estética da crueldade e do luxo na comunicação contemporânea, se pergunta se a crueldade e a violência pode estar nas mídias pela estetização da violência. Pensando o recente debate sobre o longa metragem Tropa de Elite, do diretor José Padilha, e as reações acaloradas despertadas em vários segmentos da sociedade, passando pelos debates acadêmicos, salas de aula, cartas de leitores em jornais, até blogs e espaços privados, chama atenção o clima de agressividade e disputa suscitado pelas interpretações sobre o filme (ou pelo filme?). Embates violentos, assumindo posicionamentos autoritários, mesmo quando o que supostamente se diz pretender é discutir o caráter fascista da obra. Será que não estaremos vivendo uma cultura bandida como sublinha Otávio Frias Filho, onde tudo que a sociedade diz abominar é glamourizado no plano da representação simbólica. Então talvez, como propõe Patrícia Mello nos relatos de Acqua toffana, “no Brasil um crime só merece atenção se for uma obra de arte. Queremos os canibais, os perversos, os hiperviolentos, os científicos, queremos os melhores”. Não será, como aponta Luiz Eduardo Soares, no artigo Uma interpretação do Brasil para contextualizar a violência, que a ira individualista vem substituindo a violência heróica das obras clássicas, estas sim representativas de uma reação profunda ao desrespeito da honra pública, através de uma crueldade que se generaliza como elaboração artístico midiática e que encontram seu solo na destruição de valores que não sejam o do capital? Somando-se a estas análises, devemos lembrar também que a abundância do caráter realista, cercado por imagens e simulacros, observado nas recentes produções do cinema nacional, é o retrato desta sociedade hiperindividualista, onde as representações ocuparam o espaço do real. Reduzidos “a um espaço público profundamente conturbado pelos aparelhos tecno-telemáticos e pela nova estrutura do acontecimento e da espectralidade que produzem”, como sugere Derrida, talvez jamais soubemos tão pouco a diferença entre o real e o ficcional. Trilhando este mesmo raciocínio, não poderiam estar deslocados para o espaço das representações simbólicas também o erotismo, a libido e as pulsões em geral? Não seriam então estas as razões do frisson coletivo gerado em torno do personagem e narrador de Tropa de Elite, o Capitão Nascimento, um hiperviolento sedutor, que vem promovendo a fetichização da instituição do BOPE? Exemplos recentes desta operação simbólica são as lingeries e mini fardinhas do BOPE vendidas em sex shops desta nossa cidade, típico fenômeno de merchandising espontâneo. Pensando também os comentários de Benjamim acerca do livro Fleus do Mal de Baudelaire, que compreendendo as razões do tédio dominante na vida moderna, estabelece uma cumplicidade com o leitor (espectador?) hipócrita diante da derrocada dos grandes valores e das grandes esperanças que ainda acalentavam os românticos. Também Bataille associa a violência ao erotismo, denominando de "reino de heterogêneo" aqueles instantes explosivos, de pavor e fascínio, em que desmoronam as categorias que garantem ao sujeito o relacionamento familiar consigo mesmo e com o mundo, segundo as análises de Peixoto Jr em Descentramento e transgresões: a experiência de Bataille, cujo pensamento vale destacar:

"Independentemente de Sade, a excitação sexual do criminoso não escapou aos observadores. Ninguém contudo, antes dele, tinha alcançado o mecanismo geral que associa os reflexos, como a ereção e a ejaculação, à transgressão da lei."
(Bataille, 1987).

Voltando ao filme Tropa de Elite, podemos destacar a estetização de uma violência que possui uma fortíssima carga erótica em cenas que misturam embates entre bandidos e policiais, ao som pulsante de um baile funk com enquadramentos de mulheres dançando suadas e altamente sensuais, junto a bandidos que exibem falicamente suas metralhadoras. É o desejo de voyer do cineasta e do público de participar desta experiência dionisíaca, a qual eles não têm acesso, e que é bruscamente interrompida pela polícia e, logo depois, pelo BOPE, chefiados pelo moralista e perverso Capitão Nascimento. Não é a toa que Birman afirma ser a individualidade perversa caracterizada pelo moralismo, que não obstante seus atos escabrosos, submete-se à moral vigente, freqüentemente de maneira servil, como tão bem podemos observar neste personagem na sua relação com seus superiores na hierarquia policial. O personagem Capitão Nascimento exibe esta virilidade perversa estetizada pelas posturas corporais, suas falas debochadas e autoritárias nas sessões de treinamento-tortura a que são submetidos os aspirantes à instituição, e que podemos encontrar ecoando em vozes da cidade, como: “Você é um fanfarrão 02, um fanfarrão”; “Nunca serão, nunca serão”.
O personagem, assim como o espectador, é também um viciado nas altas cargas de adrenalina que sua atividade proporciona, chegando a viver uma espécie de crise de abstinência, quando vive um impasse frente a condição imposta pela esposa exigindo seu desligamento da instituição, exibindo típicas manifestações de dependência química, encenadas com suores, tremores, explosões verbais violentas, e não apenas um suposto dilema existencial, como sugere o próprio personagem. Sim, o policial e o espectador se parecem também com os mauricinhos drogados, viciados em violência e perversidade. Uma sociedade doente que dificilmente encontrará sua cura estetizando seus desejos de perversidade erótica e voyerismo nas suas representações simbólicas, mas ao contrário, apenas desencadeará mais violência nos discursos assimilados e incorporados pelos espectadores, agora autorizados a reproduzi-los sob a máscara da moralidade e da ordem públicas.

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